Xangai (China) – Chove na rua Datong e meu guarda-chuva é pequeno para
proteger a máquina fotográfica. Um homem se aproxima, cigarro na mão,
camisa desbotada e sandálias: “Nada de fotos”. Da esquina com a Rua
Cishan vê-se de longe a estrela vermelha, símbolo do aniversário do
Exército Popular de Libertação chinês, comemorado em 1o de agosto. Atrás
de um muro alto, lotado de avisos de proibido fotografar, há um largo
edifício de 12 andares, pontuado por janelas escuras, que se tornou foco
de atenção no Ocidente.
Esse é o prédio apontado pela empresa de segurança digital americana Mandiant como o centro das operações de ciberespionagem das forças armadas chinesas. O dossiê de 60 páginas, publicado em fevereiro e divulgado pela imprensa internacional, associa um grupo de ataque, chamado APT 1, a essa instalação militar no subúrbio de Xangai, conhecida como Unidade 61398 do exército.
Xangai (China) – Chove na rua Datong e meu guarda-chuva é pequeno para proteger a máquina fotográfica. Um homem se aproxima, cigarro na mão, camisa desbotada e sandálias: “Nada de fotos”. Da esquina com a Rua Cishan vê-se de longe a estrela vermelha, símbolo do aniversário do Exército Popular de Libertação chinês, comemorado em 1o de agosto. Atrás de um muro alto, lotado de avisos de proibido fotografar, há um largo edifício de 12 andares, pontuado por janelas escuras, que se tornou foco de atenção no Ocidente.
Esse é o prédio apontado pela empresa de segurança digital americana Mandiant como o centro das operações de ciberespionagem das forças armadas chinesas. O dossiê de 60 páginas, publicado em fevereiro e divulgado pela imprensa internacional, associa um grupo de ataque, chamado APT 1, a essa instalação militar no subúrbio de Xangai, conhecida como Unidade 61398 do exército.
Os resultados desse levantamento surgem em meio ao aumento no número de ataques cibernéticos a empresas e órgãos de governo no mundo todo (leia ao lado). Em março passado, o conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Tom Donilon, pediu publicamente que o governo chinês pare com o roubo de dados de empresas americanas. Em resposta, Pequim fez um pronunciamento para afirmar que não utiliza esse tipo de técnica ilegal e que é vítima de ataques vindos dos Estados Unidos.
Ao sair da última estação da linha 6 do metro de Xangai, procure hospedagem para os próximos dias, tempo em que acompanharei para a INFO o movimento no quarteirão que se tornou famoso no Ocidente. Há um hotel de preço bom em frente ao prédio suspeito, do outro lado da Rua Tonggang. Quarto disponível para hoje? “Aqui não pode estrangeiro”, diz a recepcionista. Diante da dificuldade de comunicação, ela escreve ideogramas em um papel e entendo o ponto-final: a estrela-símbolo do exército. No Hotel Jin Huang, o segurança não parece militar. Tem o semblante simpático, não fosse o olhar fixo dirigido para a máquina fotográfica. De um quarto em um andar alto, seria possível fazer panorâmicas da vizinhança e observar o entra e sai na portaria do complexo militar. Fica claro que a proibição de estrangeiros é por razões de segurança.
Hospedagem também negada no Xiang Lai. Tem vaga? “Não.” Amanhã? “Não.” Quando tem? “...” “Aqui não pode estrangeiro, certo? Isso.” Mais uma negativa no Suchuang, outro com vista para o pátio interno do prédio. “São as regras”, ouço na recepção. O porteiro aponta na direção do Hotel Howard Johnson, o ideal para quem vem de fora, pelo atendimento em inglês e distância segura das instalações militares, apesar de quatro vezes mais caro. Pelo caminho, cenas do cotidiano são prova de que a vida segue independentemente de qualquer ciberguerra. A calçada da Rua Qingxi é um congestionamento de pedestres e o comércio extrapola as lojas.
O bairro às margens do Rio Yangtsé passa longe de ser uma bolha blindada contra a influência americana. Ao menos duas lanchonetes Kentucky Fried Chicken lembram o sucesso que a rede de fast-food faz na China. Há bancos, restaurantes, locais para massagem. Na lan house 24 horas da Cishan, 106 monitores de computador brilham com cenas dos games League of Legends e Counter-Strike.
De microfone na lapela, o vendedor de facas tenta convencer os espectadores a comprar. A banca de revistas oferece filmes e dá a ideia de que há mais títulos de guerra chineses do que americanos, mas estão ali exemplares de 007 e Homens de Preto. Nos arredores, os condomínios residenciais têm roupas penduradas para além das janelas e, no alto, placas de aquecimento solar. Mas há também lembranças da vizinhança militar. Um homem com uniforme da força aérea faz compras na barraca de pesos de musculação e binóculos camuflados.
O prédio apontado como o centro das atividades da Unidade 61398 está na parte principal de um terreno murado de 40 mil metros quadrados. Foi inaugurado em 2007. Não há carcaças de ar-condicionado visíveis do lado de fora. Na cobertura, apenas três antenas parabólicas. Quem passa pela calçada da Rua Datong, bem aos pés do edifício, precisa flexionar o pescoço ao máximo para enxergar o topo. Impossível descobrir o que acontece além dos vidros escurecidos e cortinas sempre fechadas. Às 22 horas, um sinal de que a atividade ali é contínua: luzes estão acesas no 9o e no 10o andares.
As duas portarias são controladas, mas não há armas à mostra ou soldados fardados. Veículos de passeio e homens de roupa civil usando bicicleta entram ali, ao alcance de câmeras instaladas nos postes. A não ser pela zona de livre comércio que atrai empresas internacionais para a região, quase não há estrangeiros em Gaoqiao. Quando passou por ali, a rede americana CNN gravou soldados correndo atrás da reportagem. A sensação é de vigilância permanente.
Na Datong, a poucos passos de uma das portarias da Unidade 61398, duas lojas de hardware vendem peças. Na Rua Jijing, lojas de computadores oferecem equipamentos e serviços de conserto. A Livraria Xinhua oferta quebra-cabeças com tema das forças armadas na prateleira infantojuvenil. No setor de tecnologia, guias da Posts & Telecom Press sobre o iPad têm capítulos com o passo a passo de como desbloquear o aparelho. A técnica é corriqueira entre jovens chineses e significativa no país que tem mais smartphones e tablets com sistema iOS ou Android vendidos no mundo e usados por cerca de 246 milhões de pessoas, mostrou em fevereiro a Flurry, empresa de análises estatísticas no mercado mobile. “Todos os meus amigos que têm iPhone fizeram jailbreak”, diz Zhu Siqi, 21 anos, estudante de comércio exterior em Wuhan, a capital da província de Hubei.
Mas jailbreak é uma espécie de truque infantil perto do que pode fazer a Unidade 61398, se o relatório da Mandiant estiver correto. O relatório apontou que hackers baseados emXangaiinvadiramorganizações de 20 setores estratégicos pelo mundo, como tecnologia da informação, sistema de saúde e indústria aeroespacial. Por meio da agência de notícias oficial Xinhua, porta-vozes do governo chinês negaram e divulgaram números grandiosos na outra direção, mostrando que os sites do Ministério de Defesa Nacional e do exército sofreram, em média, 144 mil tentativas de ataque por mês em 2012, mais de 60% com origem nos Estados Unidos. Outro dado mais recente, que compreende de 1o de janeiro a 28 de fevereiro de 2013, mostra que os americanos foram a principal fonte de emissão de vírus de computador para a China, responsáveis pelo acesso a 1,2 milhão de servidores de um total de 1,9 milhão afetados no período.
A própria Mandiant faz uma ressalva em seu relatório, dizendo que ele pode estar errado. “Admitimos que há uma possibilidade pouco provável: uma organização secreta com acesso direto à infraestrutura de telecomunicação de Xangai, engajada numa campanha de muitos anos de espionagem, bem próximo aos portões da Unidade 61398.” Em fóruns na internet, chineses questionam a veracidade do relatório e elogiam medidas de vigilância digital contra hackers americanos.
O dia amanhece com sol nas ruas que circundam a Unidade 61398 e observo a curiosa absorção da indústria americana pelos chineses. Faz calor e não encontro uma lata de Coca-Cola gelada. Elas ficam em refrigeradores desligados, para manter o líquido morno, temperatura considerada mais saudável para o corpo. As ruas Datong e Tonggang estão cheias de vida e caminho em direção à estação do metrô com a impressão de que, para muita gente aqui, as notícias sobre aquele quarteirão pertencem ao mundo distante da diplomacia internacional.
Fonte: INFO ABRIL
Esse é o prédio apontado pela empresa de segurança digital americana Mandiant como o centro das operações de ciberespionagem das forças armadas chinesas. O dossiê de 60 páginas, publicado em fevereiro e divulgado pela imprensa internacional, associa um grupo de ataque, chamado APT 1, a essa instalação militar no subúrbio de Xangai, conhecida como Unidade 61398 do exército.
Xangai (China) – Chove na rua Datong e meu guarda-chuva é pequeno para proteger a máquina fotográfica. Um homem se aproxima, cigarro na mão, camisa desbotada e sandálias: “Nada de fotos”. Da esquina com a Rua Cishan vê-se de longe a estrela vermelha, símbolo do aniversário do Exército Popular de Libertação chinês, comemorado em 1o de agosto. Atrás de um muro alto, lotado de avisos de proibido fotografar, há um largo edifício de 12 andares, pontuado por janelas escuras, que se tornou foco de atenção no Ocidente.
Esse é o prédio apontado pela empresa de segurança digital americana Mandiant como o centro das operações de ciberespionagem das forças armadas chinesas. O dossiê de 60 páginas, publicado em fevereiro e divulgado pela imprensa internacional, associa um grupo de ataque, chamado APT 1, a essa instalação militar no subúrbio de Xangai, conhecida como Unidade 61398 do exército.
Os resultados desse levantamento surgem em meio ao aumento no número de ataques cibernéticos a empresas e órgãos de governo no mundo todo (leia ao lado). Em março passado, o conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Tom Donilon, pediu publicamente que o governo chinês pare com o roubo de dados de empresas americanas. Em resposta, Pequim fez um pronunciamento para afirmar que não utiliza esse tipo de técnica ilegal e que é vítima de ataques vindos dos Estados Unidos.
Ao sair da última estação da linha 6 do metro de Xangai, procure hospedagem para os próximos dias, tempo em que acompanharei para a INFO o movimento no quarteirão que se tornou famoso no Ocidente. Há um hotel de preço bom em frente ao prédio suspeito, do outro lado da Rua Tonggang. Quarto disponível para hoje? “Aqui não pode estrangeiro”, diz a recepcionista. Diante da dificuldade de comunicação, ela escreve ideogramas em um papel e entendo o ponto-final: a estrela-símbolo do exército. No Hotel Jin Huang, o segurança não parece militar. Tem o semblante simpático, não fosse o olhar fixo dirigido para a máquina fotográfica. De um quarto em um andar alto, seria possível fazer panorâmicas da vizinhança e observar o entra e sai na portaria do complexo militar. Fica claro que a proibição de estrangeiros é por razões de segurança.
Hospedagem também negada no Xiang Lai. Tem vaga? “Não.” Amanhã? “Não.” Quando tem? “...” “Aqui não pode estrangeiro, certo? Isso.” Mais uma negativa no Suchuang, outro com vista para o pátio interno do prédio. “São as regras”, ouço na recepção. O porteiro aponta na direção do Hotel Howard Johnson, o ideal para quem vem de fora, pelo atendimento em inglês e distância segura das instalações militares, apesar de quatro vezes mais caro. Pelo caminho, cenas do cotidiano são prova de que a vida segue independentemente de qualquer ciberguerra. A calçada da Rua Qingxi é um congestionamento de pedestres e o comércio extrapola as lojas.
O bairro às margens do Rio Yangtsé passa longe de ser uma bolha blindada contra a influência americana. Ao menos duas lanchonetes Kentucky Fried Chicken lembram o sucesso que a rede de fast-food faz na China. Há bancos, restaurantes, locais para massagem. Na lan house 24 horas da Cishan, 106 monitores de computador brilham com cenas dos games League of Legends e Counter-Strike.
De microfone na lapela, o vendedor de facas tenta convencer os espectadores a comprar. A banca de revistas oferece filmes e dá a ideia de que há mais títulos de guerra chineses do que americanos, mas estão ali exemplares de 007 e Homens de Preto. Nos arredores, os condomínios residenciais têm roupas penduradas para além das janelas e, no alto, placas de aquecimento solar. Mas há também lembranças da vizinhança militar. Um homem com uniforme da força aérea faz compras na barraca de pesos de musculação e binóculos camuflados.
O prédio apontado como o centro das atividades da Unidade 61398 está na parte principal de um terreno murado de 40 mil metros quadrados. Foi inaugurado em 2007. Não há carcaças de ar-condicionado visíveis do lado de fora. Na cobertura, apenas três antenas parabólicas. Quem passa pela calçada da Rua Datong, bem aos pés do edifício, precisa flexionar o pescoço ao máximo para enxergar o topo. Impossível descobrir o que acontece além dos vidros escurecidos e cortinas sempre fechadas. Às 22 horas, um sinal de que a atividade ali é contínua: luzes estão acesas no 9o e no 10o andares.
As duas portarias são controladas, mas não há armas à mostra ou soldados fardados. Veículos de passeio e homens de roupa civil usando bicicleta entram ali, ao alcance de câmeras instaladas nos postes. A não ser pela zona de livre comércio que atrai empresas internacionais para a região, quase não há estrangeiros em Gaoqiao. Quando passou por ali, a rede americana CNN gravou soldados correndo atrás da reportagem. A sensação é de vigilância permanente.
Na Datong, a poucos passos de uma das portarias da Unidade 61398, duas lojas de hardware vendem peças. Na Rua Jijing, lojas de computadores oferecem equipamentos e serviços de conserto. A Livraria Xinhua oferta quebra-cabeças com tema das forças armadas na prateleira infantojuvenil. No setor de tecnologia, guias da Posts & Telecom Press sobre o iPad têm capítulos com o passo a passo de como desbloquear o aparelho. A técnica é corriqueira entre jovens chineses e significativa no país que tem mais smartphones e tablets com sistema iOS ou Android vendidos no mundo e usados por cerca de 246 milhões de pessoas, mostrou em fevereiro a Flurry, empresa de análises estatísticas no mercado mobile. “Todos os meus amigos que têm iPhone fizeram jailbreak”, diz Zhu Siqi, 21 anos, estudante de comércio exterior em Wuhan, a capital da província de Hubei.
Mas jailbreak é uma espécie de truque infantil perto do que pode fazer a Unidade 61398, se o relatório da Mandiant estiver correto. O relatório apontou que hackers baseados emXangaiinvadiramorganizações de 20 setores estratégicos pelo mundo, como tecnologia da informação, sistema de saúde e indústria aeroespacial. Por meio da agência de notícias oficial Xinhua, porta-vozes do governo chinês negaram e divulgaram números grandiosos na outra direção, mostrando que os sites do Ministério de Defesa Nacional e do exército sofreram, em média, 144 mil tentativas de ataque por mês em 2012, mais de 60% com origem nos Estados Unidos. Outro dado mais recente, que compreende de 1o de janeiro a 28 de fevereiro de 2013, mostra que os americanos foram a principal fonte de emissão de vírus de computador para a China, responsáveis pelo acesso a 1,2 milhão de servidores de um total de 1,9 milhão afetados no período.
A própria Mandiant faz uma ressalva em seu relatório, dizendo que ele pode estar errado. “Admitimos que há uma possibilidade pouco provável: uma organização secreta com acesso direto à infraestrutura de telecomunicação de Xangai, engajada numa campanha de muitos anos de espionagem, bem próximo aos portões da Unidade 61398.” Em fóruns na internet, chineses questionam a veracidade do relatório e elogiam medidas de vigilância digital contra hackers americanos.
O dia amanhece com sol nas ruas que circundam a Unidade 61398 e observo a curiosa absorção da indústria americana pelos chineses. Faz calor e não encontro uma lata de Coca-Cola gelada. Elas ficam em refrigeradores desligados, para manter o líquido morno, temperatura considerada mais saudável para o corpo. As ruas Datong e Tonggang estão cheias de vida e caminho em direção à estação do metrô com a impressão de que, para muita gente aqui, as notícias sobre aquele quarteirão pertencem ao mundo distante da diplomacia internacional.
Fonte: INFO ABRIL
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